Dom Sigismundo




- E quanto a Dom Sigismundo - matou ou não matou Dona Constança Crastina Doroteia Flamulina de Urraca e Aragão, no ano de 1149?

- Matou ou não matou - eis a questão.

- Matou?

- Pois claro que matou!... Com um punhal.

- Mas diz-se que não matou.

- O mundo em geral gosta de se escrever ao contrário.

- E porquê?

- Matou-a no alto da torre, na câmara onde se encontravam secretamente.

- Secretamente? Mas Dom Sigismundo não era o marido de Dona Constança Crastina Doroteia Flamulina de Urraca e Aragão, no ano de 1149?

- Não. Dom Sigismundo tinha sido o primeiro amante de Dona Constança Crastina Doroteia Flamulina de Urraca e Aragão, no ano de 1149.

- Tudo no ano de 1149?

- Tudo no ano de 1149.

- Mas se era o amante, porque a matou?

- Porque ela arranjou um segundo amante.

- Mas a que propósito?

- Dom Sigismundo achou que podia matá-la, incriminando o marido.

- Não... A que propósito Dona Constança Crastina Doroteia Flamulina de Urraca e Aragão... era assim tão leviana?

- Não era propriamente leviana... Os casamentos de então assemelhavam-se mais a contratos de compra e venda do que propriamente a relações de amor. Dona Constança rompera com Dom Sigismundo, que a desiludira de muitos e variados modos, e iniciara correspondência com um jovem cavaleiro que lhe dedicava canções de amor.

- Só por cartas, esse amor?

- Só por cartas.

- E mesmo assim despertou a ferocidade de Dom Sigismundo?

- Ah! Claro!

- Os homens!

- Não! A modelo Mayka Kukucova também alvejou o milionário Andrew Bush perto de Estepona quando este apareceu com a sua nova namorada russa de vinte e três anos, Maria Korotaeva!

- E como é que Dom Sigismundo matou Dona Constança Crastina Doroteia Flamulina de Urraca e Aragão, no ano de 1149?

- Usando o punhal e a capa do marido.

- Ardiloso.

- Montou a cavalo, lançou uma corda e içou-se ao alto da torre.

- Destemido.

- Mas levou um dos seus mais faustosos chapéus, e deixou cair uma pena.

- Se era para trepar à torre como um intruso, porque levou a capa?

- Com a capa ninguém deu por ele a cavalo (pensaram os serviçais que se tratava do verdadeiro Duque) - e além disso Dom Sigismundo tinha a esperança de surpreender os amantes.

- Não imaginava que fossem tão castos e que se tivessem ficado apenas por cartas?

- Claro que não. As canções eram demasiado insinuantes, a seu ver.

- E apenas por uma pena, foi condenado?

- Isso mesmo.

- Mas ao jovem cavaleiro, nada lhe aconteceu.

- Nada.

- Por uma pena.

- Por uma pena.

- E o que se seguiu?

- Foi enforcado.

- Mas não poderá o Duque ter roubado o faustoso chapéu de Dom Sigismundo, ao invés de Dom Sigismundo ter roubado a capa do Duque?

- Uma bela capa negra, comprida e elegante.

- E então?

- Eis uma bela pergunta!

- De um só golpe, o Duque matou os dois amantes, e um deles por interposta pessoa.

- Sinistro, mas realmente não sabemos.

- De uma penada!

- Pois, pois...

- E então, sobre Dom Sigismundo - é tudo?

- É tudo.

- Não tem quase lógica nenhuma.

- Nenhuma, mesmo.

- Então as melhoras.

- Espero melhorar.

- Beijinhos à tia.

- Beijinhos.