XVIII - Confissão




Estes textos são um epitáfio. A. sabe-o. Quem mais o sabe? A velocidade do tempo é cruel. Avança a direito em linha recta - o tempo. E o tempo desaparece. O que são as nossas vidas? A memória é mais fugaz que a poeira da Primavera, misturada com os pólenes. Tudo o que agora posso fazer é este epitáfio. O epitáfio de todas as danças da Maria do Mar. Não me curo da revolta por a Maria do Mar ter feito o que fez. Ela que tanto condenou a F. Riverday por ter feito o que fez, e que inclusivamente escreveu: «Não tinha o direito de se subtrair a esta vida.». Como poderei perdoar-lhe?

Escrevo estas palavras como quem martela na lápide os entalhes. E esta escrita, este entalhe, é só uma expiação. Se as minhas mãos ficarem em sangue, será possível que uma nova dor me redima. Tantas, tantas vezes o fazemos. Curamos uma dor com outra dor. Cercamos uma dor de muitas dores, purgamos a dor com a dor, e aprendemos a entrar e a sair dos nossos estados de alma como quem entra e sai de uma paisagem, como um faquir.

Assim como as árvores se erguem majestáticas em redor de uma clareira, assim como as velas acesas em torno de um grande candelabro circular, assim estas novas dores compõem uma coroa paradoxal, a dos espinhos que se ferram na nossa cabeça com um prazer desconhecido e secreto - o da libertação.